segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sobre a minha real finitude...




"Oh, Deus / Que faço dessa felicidade ao meu redor / Que é eterna, eterna, eterna / E que passará daqui a um instante? /  Por que o corpo só nos ensina a ser mortal?"
                                                                                                                                                                 Clarice Lispector



Oi, Pessoas!

Fiquei impressionada com o tempo que levei para a nova postagem...quase dois meses!!! Não senti o tempo passar...bom, também com taaantas e taaaantas coisas acontecendo, vida que flui, enfim. Aliás, a vida passa como se fosse a queda de uma cachoeira, do tipo vazão forte. Amo cachoeira, acho meio transcendental, meio místico, meio mágico. Aquela água cristalina, intensa, natural e forte...putz! ADOROOOOOOO!!!! Tirei essa foto na Serra Gaúcha, lugar que amo!!!

Creio que já tive a oportunidade de escrever que me identifico profundamente com os escritos de Clarice Lispector. Mas, ao me deparar com a pergunta "Por que o corpo só nos ensina a ser mortal?", senti que alguma coisa se desprendia do meu corpo....seria mesmo do meu corpo? Ou seria da alma? Passei dias tentando nomear o que me percorria. Não chegava à conclusão alguma. Assim, resolvi dialogar e, ainda sem uma conclusão, decidi chamar essa "coisa" de ISSO. É isso: ISSO.

ISSO passeava, corria, rolava, sorria, chorava, zombava. ISSO dialogava com os órgãos, com os tecidos, com as células, com a energia, com a prótese, com o coração. Com o coração?! Nãooo!!! Pedi, num tom desesperado:

- "ISSO, deixa o coração em paz! Ele está quieto, sem apresentar alterações, por favor, não brinque com ele!".

- "Por que não?! Ele é tão finito quanto você! Tão irrequieto como você".

- "Ah! Não, não, poupe-o! Deixa que eu acredite que ele é imortal, tão eterno e infinito quanto eu mesma!".

- "Você é realmente um espetáculo! Quanta tolice! Não está vendo o quanto ele se debate? Ilusão a sua achar que ele está calmo e que é imortal! Quer que eu lhe conte o que ele me confidenciou?"

- "Não!", respondi assustada.

- "ISSO, por favor, volte de onde você veio. Olha só, podemos fazer um trato..."

-"Tarde demais para estabelecer tratos....você me libertou, agora me aguente!".

- "Sabe o que mais? Você é um tirano! Fique onde quiser, aloje-se onde bem entender, eu é que não vou mais sentir você: vou lhe ignorar. Tô nem aí pra você!".

- "Ai, ai, como se isso fosse possível..."

ISSO terminou o diálogo com aquele jeito demoníaco de quem domina a situação e de quem zomba da inquietude alheia. Logo agora que estava me sentindo imortal, plena? Justo agora que achava que gozava da liberdade dos imortais? Logo agora que estava para estabelecer um diálogo com Clarice Lispector defendendo a tese sobre a  leveza da infinitude? Ia dizer a ela que o meu corpo me reportava à imortalidade, que era infinita, que descobri coisas interessantíssimas sobre o ser imortal.

ISSO me derrubou no chão, riu de mim, ridicularizou-me e pôs diante de mim aquilo que não desejava ver de forma alguma: por mais que me esforce para ser infinita, arde em mim um sentimento altamente mundano, finito, que insufla o corpo e a alma. Sim, ele está à flor da pele, plenamente tangível, desabrochado. Ganhou cor, forma, sabor, cheiro e nome!

- "Responda-me, ISSO, tudo isso não seria o famoso veu de Maya? Acredito que isso é uma ilusão, eu..."

- "Tsc, tsc, tsc....você é tão finita quanto infinita, minha cara. Não aja como se as duas coisas fossem separadas. Aprenda! A grande arte, a grande mágica da vida está em unir o que é aparentemente inconciliável. Entendeu o que eu disse? APARENTEMENTE. Aceite-se mortal e imortal, sem culpa, sem medo...ah! Essa culpa judaico-cristã...tsc, tsc, tsc. Então viva...e viva-me!".

- "Mas quem é você, então?"

- "Muito prazer, eu sou a PAIXÃO! É isso (com minúsculas): põe aí, PAIXÃO (com letras maiúsculas)".

- "E o que eu faço com isso, que não é mais ISSO, que virou PAIXÃO?"

- "Viva-me até cansar....quem sabe não se transforma em amor?"

- "Você tem noção do que está me pedindo? Sabe o que vou ter que fazer para viver essa PAIXÃO, ou melhor, viver você? Escalar o Monte Everest mais o Himalaia. Sabe qual pode ser o resultado dessa soma (aliás, o mais provável)? DECEPÇÃO (com todas as maiúsculas possíveis)".

- "Bem-vinda ao mundo dos mortais e da finitude, querida!".


Ah! Bem que Clarice estava certa: não é só o corpo que me dá a sensação de finitude, mas a felicidade, que me parecia tão eterna, também é finita.


Beijos historiados,
Alê

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A artroplastia, a coxartrose e eu 2!



Oi, Pessoas!

Em primeiro lugar, quero agradecer a todos, porque esse blog tem "bombado"! Valeu, galera!

Procurei uma foto que retratasse exatamente tudo o que sinto nesse momento. Vasculhando meu arquivo de fotos, encontrei essa, tirada de um avião. Toda vez que viajo na janela do avião (sempre peço esse assento) tenho a sensação de tocar o ceu com as pontas dos dedos.
Gente, hoje quero compartilhar a minha alegria: fim das dores e das muletas!!! É isso aí, LIBERDADE!!! Não me lembrava mais como era caminhar sem dores e sem estar "torta". Difícil descrever essa sensação...só consigo sentir, mas não exprimir. É como diz Bob Dylan: "That long black cloud is coming down/I feel like I´m knocking on heaven´s door". A minha noite foi longa....muito longa e as nuvens pesadas. Mas nada mais colorido, lindo e deslumbrante do que colorir a própria vida...e ver o alvorecer! Com matizes vibrantes. Celebro a vida, na qual jamais deixei de acreditar.

Permaneci ao longo de três meses dentro de casa, sem colocar os pés na rua. É isso mesmo: três meses. A artroplastia de quadril tem uma recuperação causticante. Quem fez me disse: "Pior do que as dores só a recuperação. Prepare-se!". Não acreditei, pois pensava: "O que seria pior do que sentir essas dores lancinantes?". Só se sentir desprovido de liberdade e de autonomia no momento do pós-operatório! Foi aí que entendi o recado. É óbvio que cada um terá a sua vivência...é claro que, neste espaço, descrevo a minha. Foi dessa forma que vivenciei o pós-op. Tive que criar coragem, paciência (muuuuita paciência), resignação e ir me libertando paulatinamente dos meus grilhões...físicos e psíquicos. Podem acreditar que eram pesados! Mas, hoje, ganho novo fôlego, tento me revestir do meu melhor, garimpar os diamantes que essa experiência deixou. Se você passa por um período difícil na vida certamente levará coisas boas dele, sobretudo se conseguir vencer muitas coisas em si mesmo. Acho que consegui lapidar algumas coisas em mim. Esse foi o sentido dessa experiência. Assim foi a forma de lidar com isso: apesar de tantas dores, procurei extrair o melhor que pude dessa situação e me tornar alguém 0,0000000001% melhor.

Bom, agora o objetivo é ganhar massa. E entrei na musculação. Pois é, gente, quem me conhece sabe que sou um tanto avessa a essas coisas, mas estou indo imposta mesmo, pura necessidade. Meu primeiro dia de ralação foi ontem. Encontrei profissionais super legais, acostumadas a trabalhar com paciente que tenham feito artroplastia, o que facilitou a elaboração do programa de musculação. No primeiro dia fiquei totalmente perdida...quem disse que entendia alguma coisa daquelas aparelhagens? Afinal, o que eu amo mesmo é o ser humano, não aqueles aparelhos. De mim para comigo, pensei: "Creeedo! Como é que eu mexo nessas coisas? Nunca pude fazer musculação na vida! Help!!!". Apesar de toda ajuda que obtive, sentia-me um "ET" no meio daqueles músculos ambulantes. Ao ponto de uma pessoa me encontrar no estacionamento após a aula e dizer: "Oi! Eu estava na mesma turma de musculação que você. Você vai adorar as aulas! No início é assim mesmo, a gente fica meio perdida, cansa muito, mas é super legal! Boa sorte!". A pessoa nem me deixou falar...mas falar pra que tb? A minha expressão já traduzia o que ia no íntimo: desconforto numa esfera que não transito bem. Tratei de me olhar logo no espelho, o qual tb zombava de mim. Como pode? E olha que era bailarina (antes do acidente), nadava pacas, fiz travessias (antes da dor), mas a musculação é um desafio pros meus bíceps, tríceps, quadríceps, gluteos, pernas (pobres panturrilhas!). Adoro esteira, mas odeio bicicleta! Enfim, não é que tudo isso já começa a fazer a diferença? Não é que a musculatura fica um tanto mais forte? Pensando pelo lado positivo, até que acho uma boa, porque vou sarar as pelancas. Ou vocês pensam que não pedi para malhar os braços?

- "Quero tudo inteiro e por igual, tá? Já que tô na chuva...Ah! Eu quero tanto sarar o abdome tb...é possível? Não traz prejuízo à prótese? Pelo amor de Deus, essa coisinha fofa que me habita é filha única de mãe solteira e pai desconhecido! Preciso perder peso, porque desejo voltar a vestir 36".

- "Relaxa!", palavra de ordem do professor, rindo das minhas loucuras.

-"Mas não tô estressada!".

O bom é que não senti dor ou desconforto na musculatura ou mesmo na prótese. O programa traçado pelos profissionais está sendo super eficaz. Vou contar o meu grande fetiche na musculação: olhar, na esteira e na bicicleta, as calorias perdidas. Que estímulo! Quase coloco as vísceras pra fora, mas me sinto realizada pela perda de calorias. Depois, vou direto na balança! Isso tem cara de que vai virar um ritual.

E o meu encontro com a rua? Quem está acostumado a uma vida ativa, trabalhar, movimentar-se minimamente não se habitua a ficar três meses de molho. Portanto, o meu encontro com a via pela qual a vida circula foi massa (massa vira até adjetivo, além de palavra de ordem)! As ruas cinzas que circundam o hospital ganharam uma cores toda especiais. Era o primeiro lugar de "visita" após a artro. Respirava a longos haustos o ar (mesmo abafado e cinza) do centro da cidade. Que bom ver as pessoas circulando. Seriam mesmo reais? Tudo aquilo era real? Pedi à minha mãe que me beliscasse, porque aquele reencontro era surreal demais! Estava viva! Finalmente me sentia viva! Vivacidade maior senti quando soube que poderia deixar as muletas. A princípio a ficha não caiu...não conseguia ouvir aquilo. Pedi ao médico que repetisse; indaguei-me se aquilo não seria um sonho. Se o fosse, não desejava acordar. Estava bom demais! Aliás, tive a impressão de que ele mesmo ficou surpreso com a evolução, se é que não estou errada. Sim, agarrei a oportunidade com unhas, dentes e tudo o mais que fosse preciso para retomar a minha vida. Queria muuuuito, muuuuito, muuuuito viver sem dores e sem muletas, se assim fosse possível. E foi!

Ah! E o reencontro com os meus amigos? Gente, quanta emoção! Eu, que sou meio "dura na queda", peguei-me chorando várias e várias vezes. Rever todos, ir aos lugares que sempre amei me fizeram revigorar. Pasmem vocês, a grande maioria das pessoas se emocionava com o meu retorno. Alguns pareciam que viam um fantasma à frente, não acreditavam, levavam um susto de verdade, ao ponto de até eu me assustar com o susto do outro! Difícil será esquecer esses momentos de troca de afeto.

Estou em paz comigo...é um momento de renascimento, de emergir de águas profundas, de experimentação, de me revisitar. Não posso expressar o que sinto sob risco de ser extremamente reducionista. Porém, o que posso dizer é: VALEU A PENA!!!

Bjks!

sábado, 28 de agosto de 2010

Sob o veu de Maya: tentativa de resposta aos dissabores de Vini

O Oráculo de Delfos, por Michelangelo, afresco da Capela Sistina*

Outro dia, "recebi" uma notícia muito desagradável que ocorrera com um grande amigo (em respeito, vou chamá-lo de Vini, embora ele tenha, gentilmente, permitido a transcrição de nossos diálogos e sobre o que lhe ocorreu).

Estava em casa (ah, vá! Isso é quase um pleonasmo, já que não posso sair!) e, de repente, a sua figura me veio à mente. Como somos muito ligados, percebi que isso poderia ser uma captação inconsciente, uma espécie de sincronicidade (por causa disso ele me chama "carinhosamente" de "Bruxa"). Imediatamente, liguei para ele. Caixa postal. Liguei de novo, mais tarde, e nada! Liguei para o consultório, para a casa, amigos em comum e nada! Fiquei angustiada.  Depois de muito tentar, tive uma ideia que me levou a descobrir, de fato, o que lhe acontecera e que ele tentou, a todo custo, esconder de mim, dado o processo de reabilitação.

Esperei alguns dias para falar com ele, já que estava incomunicável e eu no "claustro". Finalmente, consegui falar com Vini! Atendeu muito preocupado, pois não queria me causar sobressalto, e perguntou como havia descoberto. Narrei o que havia sentido. Ele me disse:

-"Alê, sua Bruxa! Preciso muito conversar com você, muito mesmo! Estou tão perdido, tão confuso! Você conhece a minha formação cartesiana. Sei que você também a teve, mas acho que consegue transitar bem melhor do que eu pelo imponderável".

-"Tudo bem, quando você quiser me liga pra gente conversar. Mas, olha, eu não sei se consigo transitar tão bem assim no que você chama de imponderável, viu? Não espere tanto! Ah! Também não sou bruxa; já expliquei o que aconteceu".

Dias depois, Vini me telefonou, já em casa, após o "susto". Falou sobre o que  tinha lhe acontecido e trouxe uma vasta gama de questionamentos. "Descobriu" a imprevisibilidade da vida, a falta de controle que temos sobre ela, o medo da morte, em que consistia essa grande dama, afinal. Ele precisava entender o que lhe aconteceria se morresse. Estava muito aflito, coitado! Muitas, muitas questões. Escutei atentamente e ponderei:

-"Sabe, acho que nós dois estamos recebendo uma oportunidade de desvendar o veu de Maya".

-"Me fala sobre isso?"

-"O Veu de Maya é aquilo que os hindus definem como uma ilusão, um grande erro sensório que possuímos em relação ao mundo e a si mesmo. Sabe? Andamos pelo deserto, pela vida nos valendo desse veu, acreditando sempre que estamos andando em linha reta, fazendo a melhor coisa. Por causa dele, os homens acreditam que estão no caminho certo, mas não conseguem ver o perigo que muitas vezes os espreitam na caminhada, quais sejam, caminhar para lugar nenhum e esquecer a sua verdadeira origem. Quantas vezes, Vini, eu, você, todos nós, somos desviados de nosso self, nossa essência, o que temos de mais genuíno? Acho que nós caminhamos iludidos por esse veu, o que nos faz querer enxergar o futuro sob ele, olhando através dele, sempre buscando mais e mais, e nos afastando de nossa origem. Lembra-se de Saulo de Tarso, na Estrada de Damasco, quando viu a luz? Naquele momento, Saulo, posteriormente Paulo, estava desvendando esse veu. Lembra da cegueira durante os três dias e das escamas que saíam de seus olhos? Você se recorda do que Jesus lhe disse? 'Saulo, Saulo, por que me persegues?'. Jesus não apenas exortava a trasformação dele, mas tb fazia-o retornar à sua origem divina. Isso se constituiu numa transmutação, entende?".

-"Agora me diz: como eu tiro esse veu? Eu preciso saber!".

-"Vini, primeiro conheça e entenda. Não comece a construir uma casa pelo telhado! A sabedoria, segundo Confúcio (500 a.C.), é construída por três vias: a primeira pela reflexão, a mais nobre, de acordo com ele; a segunda, pela imitação, a mais fácil; a terceira pela experiência, sendo esta a mais amarga. Você, de alguma forma, iniciou todo esse processo (não foi por acaso que você formulou essas perguntas), mas tem que ter paciência e persistência. Lembra do Dilatasti cor meum? O veu de Maya é o oposto disso. É ele que impede os avanços sobre as demais moradas da alma. Essa expansão da alma, representada aí pelo coração, é que possibilita o avanço pelo si mesmo. Lembra da inscrição no frontispício do Templo de Delfos, na Grécia antiga?"

 "Te advirto, quem quer que sejas, oh tu! Que desejas sondar os arcanos da natureza. Como esperas encontrar outras excelências se ignoras as excelências de tua própria casa? Em ti está oculto o tesouro dos tesouros. Oh homem! Conhece-te a ti mesmo… e conhecerás o Universo e os deuses".

-"Então o autoconhecimento é a chave do enigma?"

-"Sim, uma delas, talvez a principal. E não esqueça de que Santo Agostinho dizia que não somos seres humanos numa experiência espiritual, mas seres espirituais numa experiência humana. O que quero dizer, é que as coisas não são tão 'preto no branco' quanto parecem e que a vida é infinitamente maior. Quantas vezes conversamos sobre a dialética da existência? Quantas vezes eu lhe disse que deveria existir algo muito maior e que não aprendi nos bancos acadêmicos? Aí, você me dizia que deveria prestar mais atenção nas aulas de anatomia. Acho que faltou à você uma cadeira de filosofia".

-"Sim, agora entendo que existir é um processo dialético".

-"Sabe de uma coisa, Vini? A morte, como você me falou inicialmente, é algo que me intriga bastante. Acho que, não à toa, ela perpassa o meu trabalho, seja de forma objetiva ou subjetiva. Creio que farei um estudo mais aprofundado sobre ela, o que acha?"

-"Acho que você é louca".

-"É um pré-requisito..."

Vini inicia as suas incursões pelos "oráculos de Delfos" e busca retirar, paulatinamente, o veu de Maya. Começa a perceber que o imponderável traz uma experiência limite de nós mesmos e que é preciso muito mais do que neurônios e músculos para nos conhecermos (ou reconhecermos).

Deixo a composição de Fauzi Beydoun ("Além do Veu de Maya"):

"Rio de Janeiro no inverno
A brisa é fria mas o frio é eterno
Eu sigo a orla ao longo da Barra
A tarde avança mas ainda é clara
Não me é estranha essa sensação de caminhar a esmo
Seguir sem direção, só, comigo mesmo
Sem me importar em ir ou voltar
Sem ter que chegar a algum lugar
Andar, andar, até cansar

Não interessa o que aconteça
Eu não tenho pressa
Embora não pareça a vida não cessa
Eu sei, depois dessa ela prossegue ou só recomeça

Eu sinto o Sol
Eu sinto o seu calor ameno
Eu sigo só
Só, eu sigo, comigo mesmo

Eu sei que você pensa em mim e lembra de mim
Mas eu não sou assim como você vê
Como você pensa que eu possa ser

Você vê o meu corpo e pensa que sou eu
Ele não é eu ele não é meu
É só uma dádiva dada emprestada
Deus foi quem me deu por breve temporada

É só uma roupagem, densa embalagem
Que não me pertence
Aliás, nada me pertence nesse mundo
Tudo é transitório, tudo é ilusório
Ainda que se pense que o que se vê é pura realidade
Na verdade, o que se está a ver
Não é mais que um lapso
Distorcido da eternidade

O Sol se esvai
A noite cai tão sutilmente
Conforme o Sol se vai
Eu sinto a Terra girar quase que imperceptivelmente
Assim a gente vai
Seguindo rumos tão diferentes
Caminhos desiguais
Mais e mais distantes, continuamente
Mais e mais distantes, definitivamente

A cidade é um corpo disforme
Que se espalha enorme sobre a crosta terrena
Uma intrigante cena ela desperta e dorme
E deixa alguns espasmos
Ou então se consome em todo o seu marasmo
Um mundo formigante, milhões de habitantes
Todos tão imersos em seus universos
Presos aos grilhões do não saber
Das limitações de todo ser vivente dessa dimensão
Almas presas aos corpos
Sob espesso véu de ilusão
Até que estes estejam mortos
Deixarão então essa condição
E verão que corpo é só casual
Composição genética, constituição carnal
Eu poderia nascer indiano, sino africano, viver muitos anos
Pra depois morrer e voltar a nascer
Como alemão ou americano
Por que então tanta animosidade?
Se alma não tem nacionalidade
Alma não tem cor, alma não tem sexo
Esse papo de alma gêmea não tem nexo

Eu vejo o céu,
Atrás do véu de ilusão
Um doce lar,
Além do mar da imensidão".


*In: Ficheiro:DelphicSibylByMichelangelo.jpgthumb|Legend

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Transformando dores em flores


Hello, People!

Como é bom sentir que a aridez trazida pela dor começa a sofrer transformações! Como é bom sentir que o solo árido começa a se tornar terra fértil, germinando flores! É um processo mágico, quase alquímico, da alma e do corpo.

Transformando dores em flores...talvez esse seja o título mais propício para me descrever nesse exato momento da minha vida. Não, hoje não falo das dores, porque elas já foram descritas (esforço hercúleo descrever o indescritível). Quero falar das flores que começam a desabrochar em minha alma, ou seja, o que me traz de novo a recuperação.

Há dois dias venho me testando. É claro que faço isso a partir da leitura que tenho do meu próprio corpo, de entender quais são as minhas possibilidades e como posso lidar com elas. Resolvi caminhar. Isso mesmo: caminhar, literalmente. Não uma caminhada no sentido do exercício físico, mas para testar a minha própria potência. Aqui peço licença a vocês, leitores queridos, para falar sobre um conceito do filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche que perpassa todo esse processo de entendimento de dor e vida. Trata-se da vontade de potência: de modo simples (se é que é possível, porque Nietzsche é apaixonantemente denso), é a vontade de transcender os limites, de triunfar sobre o nada, de vencer o aniquilamento, de tecer a vida a partir de fios delicados, finos, mas fortes. É uma vontade de ultrapassar os próprios instintos. Numa palavra: um impulso de vida (Eros em oposição a Tanatos).

Dito isso, queria ver como andava o nosso relacionamento - entre a prótese e eu - porque esse trabalho de integração é "hard" , pois envolve corpo e o psiquismo (expresso, em parte, por "vontade de potência", mobilizando também mecanismos "psis" mais complexos). Assim, caminhei num espaço seguro, longe do movimento de carros, trânsito e até mesmo de pessoas...um espaço livre, que não me oferecesse risco. Será que alguém pode fazer ideia do que significa andar sem dor para quem não podia dar alguns passos sem ela? Intraduzível, sob todos os aspectos. Pois é, andei! Ainda auxiliada por uma das muletas, mas andei durante minutos...sem dor! Quando poderia imaginar isso antes da cirurgia? Ah! Foi deliciosamente delicioso, com a licença do pleonasmo. E mais: o dia estava lindo e parece que podia sentir o sol incidindo sobre a pele, células, ossos e alma (tive a impressão de ter realizado a fotossíntese e de ter produzido clorofila). Não tinha a dimensão do quanto precisava do sol, embora o tangenciasse em casa, sem me expor prolongadamente. Senti uma luminosidade, uma alegria intensa, como uma porta que se abria para o novo. Redescobrir a vida é mesmo alquímico. Foi aí que senti as flores brotarem de um solo mais fértil, mais forte, exalando uma fragrância suave. Foi muito importante para mim perceber esse campo anímico. Já posso transitar por ele, descalça, passos leves, suaves, deliciando-me na relva mais verdejante, sentindo o perfume das flores e o ceu de um azul resplandecente. Assim passei a configurar a minha alma, desfrutando também a sombra da frondosa árvore da esperança e bebendo a água da fé.

Nesse processo de reabilitação não tive medo tocar o chão, ainda que com a ponta do pé, de saber quem é essa que agora habita em mim - a prótese - a que veio, do que ela era capaz, mas no maior respeito e cuidado, sem abusar! Não saía do âmbito das orientações médicas e isso é importante destacar. Trocando em miúdos, queria buscar entender quem é ela, como funciona. É como se estivéssemos num processo de paixão, de conhecimento de alguém (mal comparando), e buscássemos saber quem é, como vive, o que gosta, comida predileta, perfume favorito, gostos intelectuais e artísticos e trocentas coisas que só nos permitimos de fato nesse estado de (quase) beatitude (não vou dizer que tais interrogações sejam tolas, afinal, fazem parte do processo de quem se apaixona).

Sofrer um acidente não é fácil...pior ainda é lidar com as sequelas. Mas creio que a grande mágica, a grande alquimia que a vida nos oferta é saber transformar essas dores em flores. É, indubitavelmente, um momento mágico. Revela que conseguimos sobreviver aos escombros. Mais ainda: mostra que, usando a vontade de potência (inerente a todo e qualquer ser humano, no entender de Nietzsche), podemos reconstruir a vida e nos valer até da tanscendência, a despeito das dificuldades e do imponderável. NÃO É FÁCIL! É dolorosamente difícil, mas exige coragem, toneladas de coragem, de paciência, mas também de ousadia, criatividade e fé. E eu, que ainda estou aprendendo a criá-las, posso resumir assim o meu processo: "E eu que não sei quase nada do mar/Descobri que não sei nada de mim"(letra de "Eu que não sei quase nada do mar", de Ana Carolina e Jorge Vercilo, na voz inconfundível de Maria Bethânia).

Para terminar, mais um pouco de Nietzsche: "Um pequeno obstáculo é suplantado, mas imdediatamente segue-se outro que também é suplantado - esse jogo de resistências e vitórias estima ao máximo o sentimento geral de potência (...)" (p. 248).


Beijos!

In: NIETZSCHE, Friedrich. Vontade de Potência. RJ: Ediouro. [s.d.].

terça-feira, 17 de agosto de 2010

"História de um transplante ósseo" - Larissa Jansen


Oi, Pessoal!


Hoje quero compartilhar algo com vocês. Vale super a pena conferir a leitura de um livro interessantíssimo. Trata-se de "HISTÓRIA DE UM TRANSPLANTE ÓSSEO - NA REAL, DOIS", de autoria da jornalista Larissa Jansen.

O livro retrata o sofrimento de alguém que, em tenra idade, descobre-se portadora de uma doença rara e sem cura, como a artrite idiopática juvenil, doença degenerativa, de causa desconhecida, que provoca febre alta, erupções cutâneas (manchas avermelhadas), dores musculares e no corpo, além de dores e danos graves nas articulações. A evolução da doença levou a autora a iniciar uma via crucis por um transplante ósseo.
Mas a dor, muitas vezes, faz despertar forças inimagináveis. E isso é narrado por Larissa de forma leve e poética, a despeito do trágico da situação (longe de cair no "canto da sereia" do lugar de vitimização, Larissa vivencia a dor com a força de quem ama intensamente a vida e é a protagonista desse processo). Há trechos engraçados, apesar de todo o sofrimento vivido por ela. Além disso, ainda descreve o processo de artroplastias totais de quadril que também passou. Gente, quem tem dor tem pressa, não é? Pois imaginem encarar uma fila, esperar indefinidamente por uma vaga para transplante ou artroplastia, sentindo uma dor tão aguda, tão intensa, que quase nem se pode descrevê-la! Soma-se a isso o país do desperdício, contexto trágico em que essa história ocorre, onde uma doação de órgãos ou de ossos acaba virando caso de polícia.

Não se trata de livro de auto-ajuda, já que isso marca o individualismo na pós-modernidade. Caracteriza-se por uma obra de ajuda-mútua, de alteridade, convocando cada leitor a sair de seu lugar bastante cômodo para arregaçar as mangas e se engajar numa luta em prol da vida. Afinal, há muitas "Larissas" que amargam por espera de vaga de transplante na rede pública de saúde e é impossível não se solidarizar com a dor do outro. Impossível também ler "História de um Transplante" e continuar sentado, contemplando a linha do horizonte. O livro afeta, mas é preciso, antes, deixar-se afetar e criar movimento útil para que essa história não caia numa "compulsão à repetição", como dizia Freud. E ela, Larissa, através de sua bandeira junto a instâncias públicas, como Senado e Ministério da Saúde, já conseguiu uma redução na fila por quem espera um transplante ósseo, graças ao seu empenho. No Brasil, há muitas "Larissas" espalhadas, muito sofrimento em jogo, e é preciso criar ferramentas de luta contra a banalização da dor nessa grande arena da vida.

Ah! Uma coisa não posso deixar de registrar aqui: a relação com a equipe médica. É de extrema importância que tenhamos um diálogo com os profissionais, como ocorreu com Larissa e comigo também. Isso nos dá uma segurança imensa e ajuda a amortecer a dor, que é igualmente imensa...

A mensagem deixada por Larissa é: fé, coragem, resignação, sem passividade! Esperança e espírito de luta sempre!

O site da campanha em prol da doação de ossos é: http://www.transplanteosseo.wordpress.com/. O livro pode ser obtido através do contato com a Livraria Cultura: http://www.livrariacultura.com.br/ ou com a Ensinamento Editora: http://www.ensinamentoeditora.com.br/


Até breve!


Alê
PS: DOEM SANGUE E AJUDEM ALGUÉM A RENASCER!

domingo, 1 de agosto de 2010

Sobre o tempo...do afeto



Oi, Pessoal!!!


É, estou há algum tempo sem escrever, sem aparecer por esse espaço, que é nosso. Sinto-me plenamente à vontade de compartilhar "as minhas pérolas" com vocês. Uma delas é essa foto, tirada numa viagem pelo interior do Brasil. Bem, não sou uma exímia fotógrafa, mas a imagem chamou a minha atenção e consegui fotografar (nem sei como...porém, de vez em quando, eu acerto).
Outro dia "ensaiei" escrever algo, mas não saiu nada. São dias em que tenho que arrumar os sentimentos, observações e coordená-los com o racional, porque nem sempre o que se sente se coaduna com a razão e acaba ganhando o status de intraduzível, inexprimível. Eu queria entender tantas coisas, tantas, tantas, tantas. Mas algumas delas eu só entendo num movimento de interiorização, tentativa (é só uma tentativa mesmo!) de mergulho na alma. Lembro-me da canção de Chico Buarque, "Futuros Amantes":

"Não se afobe, não/Que nada é pra já/ O amor não tem pressa/Ele pode esperar/ (...) Os escafandristas virão/Explorar sua casa/Seu quarto, suas coisas/Sua alma, desvãos/ Sábios em vão/Tentarão decifrar/O eco de antigas palavras/Fragmentos de cartas, poemas/Mentiras, retratos/Vestígios de estranha civilização".

É como se eu fosse uma escafandrista dentro dessa estranha civilização: o afeto. Acho que hoje a gente perdeu esse movimento, porque o desejo se converteu (aderindo à moda das conversões... muitas vezes histriônicas) num corrida desenfreada pelo ter. Rotineiramente, e eu mesma disse isso "trocentas" vezes, ouço: "Tô sem tempo"; "Vou passar aí rapidinho", "Veja se me fala isso em meio minuto, tá? Tô correndo", "Ia te ligar, mas nem tive tempo!". Pois é, frases como essas (e eu as disse T.O.D.A.S.!) são até blasé, dizemo-las com uma naturalidade impressionante. Naturalizamos a "falta de tempo", a falta de olhar para o outro, a falta de contactar os seus afetos. "Ah!", pensariam alguns", "Mas isso é ridículo! E a sobrevivência, onde fica? Isso é um delírio!". Pois é, a sobrevivência fica ao encargo dos instintos, e os animais sabem muito bem como é isso (embora eles tb conheçam o significado da palavra afeto). O homem pré-histórico sabia que da caça e do predatismo sobrevivia. Agora viver, creio eu, é um conceito historicamente datado; mergulhar nos afetos tem como condição de possibilidade a ascensão da burguesia ao poder e do capitalismo enquanto modo de produção. Pois é, enquanto modo de produção, mas agora ele se tornou um modus vivendi, ditando a estética e a dietética da existência. Estranhamente nos rendemos ao mercado, vivemos por e para ele.

Dia desses, li Zygmunt Bauman, "Tempos Líquidos". Já estudei suas obras algumas vezes, mas sempre com algum propósito acadêmico. Agora foi diferente, li sem a preocupação de ter em mente um objeto circunscrito, despretensiosamente. Esse autor, no título em questão, trabalha a passagem de um Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), portanto um Estado sólido, protetor dos direitos do cidadão (aqui no Brasil a gente não conheceu esse Estado, nem de fato nem de direito), para um Estado do Laissez Faire, Laissez Passer ("Estado Deixai Fazer, Deixai Passar"), "Faça Você Mesmo", sem estabelecer uma relação concreta com os cidadãos, sem a proteção garantida outrora. Assim, torna-se um Estado líquido, fugaz, sem corpo, sem órgãos, sem cabeça. Um Estado não relacional, distante e nada protetor. É como se ele, ao invés de encarnar a lei, se afastasse dela. Isso acaba por lançar o cidadão na zona do medo, da insegurança, do desequilíbirio.Lembro-me sempre da metáfora "Em Nome do Pai", na psicanálise lacaniana, onde o sujeito deve passar por essa fase no intuito de instituir a Lei, o interdito sobre o inconsciente, portanto a interdição cultural necessária a todos nós. Ficamos assim, meio "psicotizados", já que esse "Pai" sai de seu lugar e o estado psicótico é assim "inconsciente a ceu aberto", no entender de Jung, sem esse superego freudiano a interditar o "vale tudo". E aí, passamos a estabelecer relações líquidas (ver tb "Amor Líquido", de Bauman, estudo das relações em tempos de ausência). Esse no man´s land para o qual o sujeito é lançado faz com que ele estabeleça uma relação rala com o outro, de ausência de cuidado, vivência de afeto que parece...mas não é. Perdeu-se a capacidade de sentir genuinamente. O outro é visto como uma ameaça em potencial, concorrente no mercado da vida, aquele que irá destruir o trabalho da caça. O ser humano virou um predador, um caçador...porém de si mesmo.

Pois é, por isso venho pensando no tempo do meu afeto. Tempo em que me deixo "afetar pelo afeto". Em tempos de internet, não nos vemos mais, não nos olhamos mais e nos mudamos para o ciberespaço. Quantas vezes olhamos nos olhos de alguém para demonstrar afeto? Temos tempo para tal? "Passo um torpedo". Legal, bacana, ao menos você lembrou, mas isso cria a cultura do distanciamento. Uma tela de computador é uma tela, não os olhos humanos, as mãos, o abraço, o beijo, não é?

Assim, como muito bem cantou Chico Buarque, o afeto torna-se uma "estranha civilização", justamente porque estamos perdendo o timming dos sentimentos. E é isso que estou tentando fazer, não como analista, mas como ser humano, qual seja, reacender os meus afetos, deixar algo mais genuíno fluir dentro da contenção cruel que devemos fazer para sobreviver. Essa é a regra do jogo. E viver ultrapassa em muito a sobrevivência. Não perco a minha singularidade, muito diferente de individualismo, já que a primeira nos fala daquilo que é único em cada um. Individualismo nos reporta ao egoísmo. Essa homogeneização é produzida pelo capitalismo e me recuso a isso! Tenho tempo, sim, para ser feliz, genuína e verdadeiramente!

Concluo com Chico Buarque ("Futuros Amantes"):


"Não se afobe, não/Que nada é pra já/Amores serão sempre amáveis/Futuros amantes, quiçá/Se amarão sem saber/Com o amor que eu um dia/Eu deixei pra você".


Até a próxima!
P.S: DOEM SANGUE! FORMEMOS UMA REDE DE VIDA E SOLIDARIEDADE!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Dilatasti cor meum...


Ah! O sacrossanto poder da paciência...eu quero ter! Há dias em que é difícil, é uma batalha íntima. Agora entendo a minha querida Santa Teresa D´Ávila (alguém já leu? Ela é divinamente maga): a melhor coisa, advertia ela, é conhecer o castelo interior. Ah! Como eu queria chegar à sétima morada...total plenitude, comunhão, no stress, o face a face com o divino em mim. Quem sabe eu encontraria lá a paciência? Ali travaríamos um diálogo. E ela me esperaria e diria:


- "Oi! Estou aqui! Você me procura? Entre, fique à vontade, a casa é sua. Aqui tb reside a minha amiga Esperança. Esperança, essa é aquela que tenta lhe cultivar, lembra dela? Querida, essa é a VERDADEIRA Esperança". É claro que eu ficaria surpresa, no melhor estilo "cara de tacho", e diria:


- "Muito prazer! Então é na sétima morada que vocês se escondem? Mas por que se esconder?". Elas responderiam:


-"Não, na verdade não moramos aqui. Permeamos todas as outras moradas da alma. É que somos ofuscadas pelo obscurantismo, pelo racionalismo e, um sem número de vezes, pelo niilismo! Então, é difícil nos ver".


-"Então é preciso ser desarrazoado para vê-las na plenitude?", perguntaria estupefata, quase incrédula.


-"Não, não!". E ririam muito do meu espanto, com aquele riso zombeteiro de quem está por cima da situação:


-"Sabe o que é? Na sétima morada só abrimos a porta para quem conhece a senha: "Dilatasti cor meum, dilatasti cor meum".


Para bater à porta do castelo, dizem elas (e tb Teresa D´Ávila), é preciso orar...melhor, saber orar, porque isso dilata o coração para a verdadeira luz. Ai, ai, Madre querida, ajuda-me a encontrar a minha pedra filosofal? Ajuda-me a transmutá-la em ouro, no mais autêntico processo alquímico? Nem saí da fase nigredo, no entender de Jung. Ah! Tudo seria tão mais fácil se eu atingisse a fase albedo, a sétima morada da alma, alívio imediato, AION, plenitude. Ah! Como eu queria! Mas ai de mim, pobre mortal! Quero fazer parte do Olimpo, junto com Zeus, Apolo, Atenah, Diana, Afrodite...ah! Eu quero voar! Pra bem longe, posso? No melhor estilo "Voyage, Voyage", de Desireless: "Aux dessus des vieux volcans/Glisse des ailes sous les tapis du vent/Voyage, voyage/Eternellement"...ah! Je veux voler toujours...eternellement...et "Vole dans les hauteurs" ! E por falar em voar nas alturas, caí às duras na real. O telefone me chama.


Voltei. Tudo isso não seria o "Sonho de Ícaro"? Ceus! Telefone de novooooo! Voltei de novoooo. Acho que hoje me estenderei até meia-noite. Nãooooo! Telefone de novo! Haja fôlego pra falar tanto!


Continuando. Ah! Não quero acreditar que as minhas asas são de cera e que o sol irá derretê-las, não! Como disseram Cássia Eller e Nando Reis: "Não quero acreditar que vou gastar desse modo a vida/ Olhar pro sol só ver janela e cortina". Quero ver bem mais dessa vida. Quero ver a luz. Então, Madre, ensina-me a encontrar e transformar a minha pedra filosofal e a usar essa chave que abre as portas do castelo para galgar a sétima morada: o AION, o divino em mim. Quero o AION! Ensina-me esse estado de beatitude, ensina-me a volitar, a voar, a plainar e a percorrer os labirintos do self, a encontrar ânima-ânimus, ego, inconsciente pessoal e coletivo, a integrar a sombra e a achar os eixos de personalidade e a tipologia personalística do meu ser, de modo a integrá-los tb. Dilatasti cor meum, dilatasti cor meum, dilatasti cor meum!!!


Paciência, paciência, paciência...esperança, esperança, esperança. Dilatasti cor meum, dilatasti cor meum, dilatasti cor meum!!!



Procedamus in pace, in nomine Christi

Amen!