domingo, 1 de agosto de 2010

Sobre o tempo...do afeto



Oi, Pessoal!!!


É, estou há algum tempo sem escrever, sem aparecer por esse espaço, que é nosso. Sinto-me plenamente à vontade de compartilhar "as minhas pérolas" com vocês. Uma delas é essa foto, tirada numa viagem pelo interior do Brasil. Bem, não sou uma exímia fotógrafa, mas a imagem chamou a minha atenção e consegui fotografar (nem sei como...porém, de vez em quando, eu acerto).
Outro dia "ensaiei" escrever algo, mas não saiu nada. São dias em que tenho que arrumar os sentimentos, observações e coordená-los com o racional, porque nem sempre o que se sente se coaduna com a razão e acaba ganhando o status de intraduzível, inexprimível. Eu queria entender tantas coisas, tantas, tantas, tantas. Mas algumas delas eu só entendo num movimento de interiorização, tentativa (é só uma tentativa mesmo!) de mergulho na alma. Lembro-me da canção de Chico Buarque, "Futuros Amantes":

"Não se afobe, não/Que nada é pra já/ O amor não tem pressa/Ele pode esperar/ (...) Os escafandristas virão/Explorar sua casa/Seu quarto, suas coisas/Sua alma, desvãos/ Sábios em vão/Tentarão decifrar/O eco de antigas palavras/Fragmentos de cartas, poemas/Mentiras, retratos/Vestígios de estranha civilização".

É como se eu fosse uma escafandrista dentro dessa estranha civilização: o afeto. Acho que hoje a gente perdeu esse movimento, porque o desejo se converteu (aderindo à moda das conversões... muitas vezes histriônicas) num corrida desenfreada pelo ter. Rotineiramente, e eu mesma disse isso "trocentas" vezes, ouço: "Tô sem tempo"; "Vou passar aí rapidinho", "Veja se me fala isso em meio minuto, tá? Tô correndo", "Ia te ligar, mas nem tive tempo!". Pois é, frases como essas (e eu as disse T.O.D.A.S.!) são até blasé, dizemo-las com uma naturalidade impressionante. Naturalizamos a "falta de tempo", a falta de olhar para o outro, a falta de contactar os seus afetos. "Ah!", pensariam alguns", "Mas isso é ridículo! E a sobrevivência, onde fica? Isso é um delírio!". Pois é, a sobrevivência fica ao encargo dos instintos, e os animais sabem muito bem como é isso (embora eles tb conheçam o significado da palavra afeto). O homem pré-histórico sabia que da caça e do predatismo sobrevivia. Agora viver, creio eu, é um conceito historicamente datado; mergulhar nos afetos tem como condição de possibilidade a ascensão da burguesia ao poder e do capitalismo enquanto modo de produção. Pois é, enquanto modo de produção, mas agora ele se tornou um modus vivendi, ditando a estética e a dietética da existência. Estranhamente nos rendemos ao mercado, vivemos por e para ele.

Dia desses, li Zygmunt Bauman, "Tempos Líquidos". Já estudei suas obras algumas vezes, mas sempre com algum propósito acadêmico. Agora foi diferente, li sem a preocupação de ter em mente um objeto circunscrito, despretensiosamente. Esse autor, no título em questão, trabalha a passagem de um Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), portanto um Estado sólido, protetor dos direitos do cidadão (aqui no Brasil a gente não conheceu esse Estado, nem de fato nem de direito), para um Estado do Laissez Faire, Laissez Passer ("Estado Deixai Fazer, Deixai Passar"), "Faça Você Mesmo", sem estabelecer uma relação concreta com os cidadãos, sem a proteção garantida outrora. Assim, torna-se um Estado líquido, fugaz, sem corpo, sem órgãos, sem cabeça. Um Estado não relacional, distante e nada protetor. É como se ele, ao invés de encarnar a lei, se afastasse dela. Isso acaba por lançar o cidadão na zona do medo, da insegurança, do desequilíbirio.Lembro-me sempre da metáfora "Em Nome do Pai", na psicanálise lacaniana, onde o sujeito deve passar por essa fase no intuito de instituir a Lei, o interdito sobre o inconsciente, portanto a interdição cultural necessária a todos nós. Ficamos assim, meio "psicotizados", já que esse "Pai" sai de seu lugar e o estado psicótico é assim "inconsciente a ceu aberto", no entender de Jung, sem esse superego freudiano a interditar o "vale tudo". E aí, passamos a estabelecer relações líquidas (ver tb "Amor Líquido", de Bauman, estudo das relações em tempos de ausência). Esse no man´s land para o qual o sujeito é lançado faz com que ele estabeleça uma relação rala com o outro, de ausência de cuidado, vivência de afeto que parece...mas não é. Perdeu-se a capacidade de sentir genuinamente. O outro é visto como uma ameaça em potencial, concorrente no mercado da vida, aquele que irá destruir o trabalho da caça. O ser humano virou um predador, um caçador...porém de si mesmo.

Pois é, por isso venho pensando no tempo do meu afeto. Tempo em que me deixo "afetar pelo afeto". Em tempos de internet, não nos vemos mais, não nos olhamos mais e nos mudamos para o ciberespaço. Quantas vezes olhamos nos olhos de alguém para demonstrar afeto? Temos tempo para tal? "Passo um torpedo". Legal, bacana, ao menos você lembrou, mas isso cria a cultura do distanciamento. Uma tela de computador é uma tela, não os olhos humanos, as mãos, o abraço, o beijo, não é?

Assim, como muito bem cantou Chico Buarque, o afeto torna-se uma "estranha civilização", justamente porque estamos perdendo o timming dos sentimentos. E é isso que estou tentando fazer, não como analista, mas como ser humano, qual seja, reacender os meus afetos, deixar algo mais genuíno fluir dentro da contenção cruel que devemos fazer para sobreviver. Essa é a regra do jogo. E viver ultrapassa em muito a sobrevivência. Não perco a minha singularidade, muito diferente de individualismo, já que a primeira nos fala daquilo que é único em cada um. Individualismo nos reporta ao egoísmo. Essa homogeneização é produzida pelo capitalismo e me recuso a isso! Tenho tempo, sim, para ser feliz, genuína e verdadeiramente!

Concluo com Chico Buarque ("Futuros Amantes"):


"Não se afobe, não/Que nada é pra já/Amores serão sempre amáveis/Futuros amantes, quiçá/Se amarão sem saber/Com o amor que eu um dia/Eu deixei pra você".


Até a próxima!
P.S: DOEM SANGUE! FORMEMOS UMA REDE DE VIDA E SOLIDARIEDADE!

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